TRAJETÓRIA:
TRAJETÓRIA:
2007 - Fernando Murilo Bonato nasce em Curitiba em 24 de março. Filho de Fernando Rodrigo Bonato e Josiane Karina Nichele Bonato.
2008 - Após o primeiro semestre de 2008, os primeiros sinais de alerta. Intenções comunicativas ficam cada vez mais restritas. Seu olhar cada vez mais perdido. Sua primeira mania aparece com muita força (arrancar qualquer etiqueta). Mas o que chamava atenção era o fato de parecer não ouvir. Parou de atender chamados, sempre absorto em suas brincadeiras próprias.
Em outubro, a primeira consulta com um otorrinolaringologista. Realmente estava com excesso de secreção no nariz e ouvido, suposto motivo da falta de atender comandos e começar a falar. Em novembro foi realizada a cirurgia de adenoide e colocação de um dreno no seu ouvido. Segundo o médico, seria rápida a evolução após o procedimento. Finalmente a fala chegaria...
2009 - Retorno pós cirúrgico no início de janeiro. Nada havia mudado. Assim foi encaminhado a um neuropediatra. Em fevereiro deste ano recebe, após uma consulta de 30 minutos, seu primeiro laudo – Transtorno Invasivo do desenvolvimento. E a indicação de buscar terapia fonoaudiológica, psicoterapia e alguma escola inclusiva.
Em março começa um trabalho com fonoaudiologia e psicoterapia. Novas avaliações com outros neurologistas e o diagnóstico varia entre transtorno Invasivo e Global do desenvolvimento. Novas atividades terapêuticas vão sendo agregadas em sua rotina. Termina o ano sem grandes avanços na comunicação. Um menino cada vez mais agitado começa a surgir.
No Natal deste ano ganha sua primeira bicicleta. Ninguém imaginava ser o ciclismo seu primeiro canal de evolução.
2010 - Consegue sua primeira acompanhante terapêutica em sua escola. Divide seus dias entre terapias e escola infantil. Aprende a pedalar com rodinhas, mas, em poucos meses, abandona este acessório. Seu desafio não seria equilíbrio, mas aprender a frear com as mãos. Usava técnicas variadas para perder a velocidade e parar. Avança em algumas áreas, mas em outras permanecia indiferente a todas as intervenções.
2011 - Começa a frequentar a segunda escola particular, com apoio individualizado. Suas agitações, crises, fugas e ausência de comunicação, seguem oscilando entre momentos mais intensos e outros mais tranquilos. Inicia sua primeira medicação, a risperidona.
2012 - Pouco muda no seu modo de ser. Com 5 anos tem uma agenda repleta de compromissos terapêuticos: Fonoaudiologia, psicoterapia, psicomotricidade, natação, equoterapia, musicoterapia.
2013 - Com 6 anos agrega à sua rotina o uso do medicamento Venvanse e o ansiolítico Zoloft. O uso dessas medicações visavam a melhor concentração, menor agitação e auto lesão por mordidas em seus dedos, diminuição das estereotípias e ansiedade. Segue com mínimos avanços.
2014 - Começa o ano de 2014 em nova escola, agora aluno da rede pública de ensino. Sem avanços pedagógicos permanece no primeiro ano de ensino fundamental.
2015 - Em junho deste ano tem uma crise convulsiva. Começa mais um medicamento, agora para epilepsia. Sua agressividade se expressa em rompantes pontuais a cada retorno da escola. Sua agitação aumenta. Tem crises explosivas frequentes na escola, foge sem rumo, tira roupa em banheiros a cada ida, tem seus maiores surtos, que vão desde morder seu dedo até lamber o chão. Avança pouquíssimo. Em meio a esse caos de ausência evolutiva, sua família resolve investir em uma abordagem integrativa. Em agosto começa dieta de isenção total da ingesta de glúten, caseína, açúcar, soja. O uso de suplementações e uma abordagem de desintoxicação, desinflamação do organismo. Uma nova tentativa, mas sem grandes expectativas, já que o próprio médico da integrativa afirmava que o Murilo já era uma criança grande e não poderia garantir avanços significativos.
Independente de prognósticos a família seguiu firme. Fazendo rigorosamente este tratamento.
2016 - Segue o ano com mudanças pontuais, mas nada extraordinário. No segundo semestre, a única coisa que tinham avançado era a retirada da risperidona, sem regressões. Como sugestão médica inicia um protocolo de ozonioterapia. Nas primeiras sessões teve sua agitação triplicada. A escola, nesse momento, foi parceira e segurou junto a barra. Contudo, a clínica que ele frequentava chamou a família para uma conversa pedindo para revisar a dosagem dos medicamentos, caso contrário, não iriam mais atendê-lo. Terminou o ano sem clínica, sem terapia convencional, mas sua família firme na escolha que havia feito.
No final de 2016 a família resolve investir numa metodologia diferente em casa, o método PADOVAN. Faz nova avaliação fonoaudiológica e descobre sua APRAXIA. Muda sua estimulação da fala para métodos que seriam específicos para planejamento motor da fala.
2017 - Ano da primeira virada de chave.
Retorna das férias escolares sem uso de medicação praticamente. Apenas mantendo o remédio alopático para epilepsia.
Nesse ano a naturopatia, homeopatia, neuromodulações como REAC, NEUROFEEDEBECK, estimulação transcraniana, uso de aparelhos de laserterapia, termoterapia, de frequências com RIFE, entre outras tecnologias começam a fazer parte de sua rotina. Uma busca por equilibrar um corpo desregulado com base em propostas alternativas.
Fecha este ano com muitos avanços em seu comportamento e tolerância. Toda a mudança com relação a abordagem do seu tratamento parece estar trazendo os primeiros frutos significativos. Um novo olhar para o autismo, focado no corpo e não exatamente no transtorno. Contudo, sua fala permanece sem muitos avanços, mas agora com pequenos ganhos, saindo da inércia.
Na escola, o maior salto não foi pedagógico, mas na tolerância com o meio, na concentração e na diminuição drástica de crises. Primeiro ano com saldo positivo.
2018 - Completa o primeiro ano de toda mudança no tratamento do Murilo. Começa a emitir os primeiros fonemas com intenção comunicativa. Após 10 meses intensos de PADOVAN e fonoaudiologia específica para apraxia, consegue a executar boa parte dos fonemas. Se solicitado pede por café, água, bolacha, repete sons, identifica objetos e nomeia. A execução de vogais sai de maneira sofrida ainda. Seus fonemas saem com pouca força. Mas um período de esperança surge.
Segunda virada de chave.
O esporte começa a despertar um olhar para um possível canal de sincronia, cada vez mais apto a participar de trilhas em meio à natureza e em harmonia incrível com sua bicicleta.
Com 11 anos já pedala longas distâncias, parece muito sincronizado com a bicicleta. 10, 20, 30, 40 e até 50 quilometros são alcançados. Desde que aprendeu a dominar o freio com suas mãos, as distâncias começam a ficarem pequenas. Agora o desafio era ter autonomia em trocar as marchas.
As mudanças começam a ficar cada vez mais significativas: menor oscilação entre agitação total e apatia, menor nervosismo, a autoagressão diminui consideravelmente e seu olhar vago fica cada vez mais ausente. Nessa fase parece despertar nele a vontade de querer ficar bem. Aceita todas as intervenções de maneira ímpar. Dedicado na imensa maioria das sessões de fonoterapia e PADOVAN. Mesmo com toda vontade seu caminho ainda é lento como ele mesmo diz, “um dia de cada vez”. Não havendo uma pílula mágica, mas trabalho somado à vontade.
2019 - Novo ano, nova escola. Sai da rede municipal para rede estadual do Paraná. Sua nova escola comporta alunos desde o sexto ano até o término do ensino Médio. Apesar de ter indicativo para frequentar escola especializada, sua família, mesmo com toda insegurança, decide por mantê-lo na escola regular. Obviamente sua adaptação não foi um processo simples, mesmo com a família proporcionando uma profissional para ajudá-lo nesse recomeço, visto que o estado só passou a disponibilizar em meados de agosto. Fugas recorrentes, sons inapropriados em meio a aula e momentos de regulação fora da sala aconteciam frequentemente. Ninguém sabia o que esperar dele, muito menos como se aproximar. Uma relação difícil que lentamente foi sendo transformada.
Fora da escola mais um ano intenso de muitas abordagens diferentes. Avanços lentos, mas progressivos.
2020 - Começa o sétimo ano, mais adaptado. Contudo, em março a pandemia chega ao nosso estado. As escolas são fechadas. Pela primeira vez Murilo fica sem terapias e escola por tanto tempo. Sua mãe opta por aproveitar esse tempo para tentar, mais uma vez, sua alfabetização. Mais uma tentativa entre tantas, mas também uma forma de evitar que seu filho regredisse nesse tempo afastado da rotina.
Passariam horas juntos trabalhando. Algo jamais vivenciado antes. Como supostamente ele não sabia nem ler nem escrever, uma cartilha antiga foi usada. Uma lição (letra) por dia. Tentava trabalhar desde a escrita até a oralidade. Não haviam grandes pretensões, exceto a vontade de ver seu filho ocupado e não regredindo. Mas, conforme avançavam, algo começa a despertar em sua mãe: A suspeita de que o Murilo estava lendo. Fato que foi se confirmando. Com muita dificuldade, falava (e fala ainda) lentamente num tom de voz sussurrado, mas conseguia mostrar que conseguia ler, responder perguntas simples de vários assuntos diferentes. A cartilha mesmo sendo um material antigo propiciou a eles um laço, uma confiança. Quando ele lia e era compreendido uma luz brilhava em seu olhar. O mesmo quando entendiam sua resposta coesa.
Mas a escrita permanecia um mistério. Ler e não escrever. Reconhecer as letras e não conseguir montar palavras. Essa era sua realidade, e ainda é. Mas o que importava naquele momento era descobrir que, por trás daquele cérebro com tamanhas dificuldades, havia inteligência.
Depois de algumas semanas e muitas descobertas a escola, em consonância com família, concordou em fazer com que o Murilo participasse das atividades online. No início, em comum acordo, acharam melhor que aproveitasse seu tempo buscando a educação básica ainda não alcançada. Não demorou muito a aparecer a atividade que mudaria por completo sua vida.
Terceira grande virada de chave...
Uma redação em formato de um RELATO PESSOAL. A dúvida seria como extrair algo de um garoto que não escrevia ainda. Sua mãe pensou em como ajudar ele a construir algo que saísse dele, pois esse tipo de texto é algo muito intimista. Sugeriu que falasse algumas palavras que o representassem, deu alguns exemplos, e explicou que montaria um texto com essas palavras. Eis que algo incrível surge. Ele não se limitou a falar palavras soltas, deu o texto completo. Demorou mais de uma hora para ditar esse texto tão pequeno, mas gigante na mensagem.
Relato Pessoal
FERNANDO MURILO BONATO
Eu sou filho do Fernando e da Karina. Tento fazer tudo o que preciso para ficar bem, e aprender coisas novas todos os dias. Faço todas as minhas atividades escolares. Gosto de aprender.
Falta eu falar melhor para eu ficar feliz completamente. Sempre estou me esforçando para falar. É difícil saírem palavras da minha boca. Faço força para falar e preciso me concentrar muito no que quero dizer.
Sejam persistentes, façam a diferença na suas vidas.
Eu posso ser tudo o que eu quiser ser. Basta ter coragem de enfrentar os desafios da vida.
Ao final desde texto havia um misto de emoção, gratidão e um sentimento de “isso realmente aconteceu?”. As dúvidas se mesclavam com a sensação indescritível de, pela primeira vez, estar ouvindo seu filho. Mas como sua fala é pouco intelegível esse texto só foi possível por haver uma entrega muito grande dele em querer ser ouvido e sua mãe em querer ouví-lo.
Passados alguns dias, mais um texto para a escola, agora uma FÁBULA. Sua mãe resolveu arriscar e, da mesma forma, pediu para ele ditar e ela escreveria. Outra surpresa. O resultado foi de uma sensibilidade ímpar.
Menino que voava
Era uma vez um menino que gostava de ficar dormindo até tarde, fazendo tudo para ficar no seu sonho.
Ele voava enquanto dormia e viajava pelo mundo todo atrás de conhecer vidas diferentes. Ficava um tempo em cada lugar, fazendo fotos de muitas paisagens bonitas.
Só que, quando acordava, estava em sua cama. Não sabia fazer falta para as pessoas que conhecia. Ele ficava dentro de sua casa, escondido entre as quatro paredes e preso em sua vida.
E finalmente ele ficou livre para voar de verdade e descobriu um mundo onde podia viver e ser visto por todos os seus amigos.
Assim, ele escreveu este texto para fazer feliz o seu filho, que teve quando ficou maior e mais velho.
Fernando Murilo Bonato
Com este texto abriu-se uma janela de comunicação. Uma ponte entre seu mundo interior e o nosso mundo. Aproveitando essa oportunidade, sua mãe solicitou uma carta para sua irmã, depois para seu pai, avós, tios e primos. Nessa sequência algo aconteceu: ELE COMEÇOU A SUGERIR TÍTULOS E DITAR...
No final havia criado um livro, e ainda teve a iniciativa de pedir para publicar. A ideia era apenas incentivar sua comunicação, mas seu livro foi além. Muito além...
Nunca mais parou de ditar e seu comportamento mudou consideravelmente.
Neste ano publica seu primeiro livro e começa sua página no Instagram.
2021 - Em meados de 2021, ainda na pandemia, publica seu segundo livro. Passa a fazer textos diários para o Instagram. Neste ano ressurgem as convulsões, todas nos dias que não ditou e no mesmo horário. Começa, após alguns anos sem medicação, o uso de um alopático para o controle da epilepsia.
No final do ano lança mais um livreto de bolso somente com pensamentos. Sua fala fica estagnada e restrita a seus ditados.
2022 - Seus textos se tornam sua maior terapia. Cria uma resistência para retornar à fonoterapia, mas acaba retornando por um tempo. Descobre um lugar onde se sente pertencente socialmente – o circo. Participa de sua primeira roda de conversa em São Paulo. Depois em Blumenau. Faz sua última tentativa com CAA – COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA AUMENTATIVA, deixando claro que não se sente confortável e demonstrando forte rigidez em tentar.
2023 - Começa o Ensino Médio, uma nova adaptação. Uma fase de início muito delicada, onde Murilo exitou muito em permanecer na escola, estando muito próximo de desistir. O que não aconteceu graças a intervenção da equipe pedagógica da sua escola. Participa mais um ano do grupo do circo pela prefeitura de Curitiba. Publica mais um livro. Evolui significativamente sua capacidade textual, contudo, sua fala parece estagnada. E agora deixa claro sua preferência pelo silêncio. Passa a dar menor importância a comunicação além de seus textos ditados.
Termina mais um livro (ainda não publicado)
Participa de seu primeiro seminário, o Rio TEAMA, onde faz um texto lido por sua mãe.
Participa do primeiro seminário Do Orgulho Autista em Curitiba, evento realizado apenas com autistas.
Suas palestras em formato de textos únicos começam a serem promovidas.
2024 - Com 17 anos, atua como palestrante e participa de vários eventos pelo Brasil a fora. Estando em eventos em Santa Catarina, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Paraná. Algumas portas começam a serem abertas para um jovem autista de fala limitada, a cada evento uma palestra diferente, uma abordagem única, um olhar profundo sobre vários aspectos que tangem o universo autista.
Conclui mais um livro (ainda não publicado).
Evolui muito em sua escrita ditada, abordando textos cada vez mais profundos. Começa a trilhar novas possibilidades em sua vida pessoal.